Quem são essas vadias #2

>> sexta-feira, 25 de maio de 2012

Um ano se passou e Brasília se organiza mais uma vez para realizar sua Marcha das Vadias. Falei um pouco no ano passado sobre como a  e subversão do significado da palavra vadia é uma estratégia política importante pra causa da libertação feminina. 
Continuo dizendo que não sou feminista, não sou militante, mas não fujo à responsabilidade de pensar a questão feminina, como parte da sociedade, como mulher. Isso não quer dizer que eu não enxergue as contradições que esse movimento precisa assumir e trabalhar em si mesmo. Quando marchamos e exigimos à sociedade que nos respeite - somos as primeiras a ouvir esse grito. Precisamos escutar o apelo de nós mesmas - não antes - mas ao mesmo tempo em que exigimos da sociedade masculina e machista liberdade e respeito.

Dentro do movimento feminista há as que confundem feminismo com uma luta para o empoderamento da mulher - e o consequente enfraquecimento do homem. A conquista do poder pela mulher na lógica machista - dominadora - quer apenas uma inversão de papéis - é a lógica de quem não se incomoda com a opressão em si, mas apenas com a sua condição pessoal de oprimido. Uma vez que ele tenha tomado o lugar do opressor, tudo bem, problema resolvido. Essas "feministas" reproduzem um discurso de humilhação e subordinação, a política do toma-lá-dá-cá, referenda a desculpa de "se ele me bater eu bato nele", "lá em casa é meu marido que apanha".

Quem se importa com a opressão em si precisa subverter e se desvencilhar dessa lógica machista. Na lógica machista, a fêmea deve se comportar também como macho para ser respeitada, se masculinizar, ser respeitada como um homem por agir como um homem. "Agir como homem" e "agir como um ser humano livre" confundem-se como sinônimos, porque por séculos apenas os homens eram seres humanos livres
Queremos mudar isso, mas não sabemos como. Não conseguimos separar da figura masculina o que é próprio do homem e o que é próprio do ser livre - na dúvida, imitamos tudo, queremos superá-los em tudo. Agir "como mulher" é ser o lado negativo do homem, livre: é ser submisso, fraco, frágil, covarde - "Não seja mulherzinha"

Um dos nossos grandes desafios é entender que para sermos seres humanos livres não precisamos ser homens! Precisamos tirar do homem o privilégio de ser o único ser livre, para que possamos parar de classificar nossas atitudes em "coisas de homem" e "coisas de mulher" e passemos a enxergar nelas atos de pessoas livres ou de oprimidos. Assim, não lutaremos contra a figura masculina, contra o homem em si, mas contra a opressão - de onde quer que ela venha, inclusive de outras mulheres!

O manifesto da Marcha desse ano traz explícita a preocupação em especificar cada uma das lutas das mulheres que, além de mulheres, são indígenas, negras, portadoras de necessidades especiais. Essa distinção é muito importante. É ilusão pensar que dentro do segmento "mulher" não há divisões e conflitos internos muito acentuados e marcados por um histórico de violência. A mulher negra e a mulher branca estão em campos opostos em outras lutas: ricos x pobres, patrões x empregados, privilegiados x explorados, senhores x escravos, sinhá x mucama, brancos x negros. Estando separadas em tantos embates, como esperar que o fato de serem todas "mulheres" irá apagar esse histórico?
Não, não vai.
A mulher branca nem sempre foi solidária, e nem sempre reconheceu a luta e as conquistas da mulher negra e pobre. Até hoje só é considerado parte do movimento feminista as ações que são intelectualmente apoiadas. Ainda há quem não consiga enxergar a grande emancipação da mulher pobre, que luta por essa emancipação desde que se entende por gente, desde que se vê explorada, subjugada, violentada e oprimida pelo pai, pela mãe, pelo patrão, por um namorado, dois, um marido - até não poder mais e dar seu próprio brado de liberdade, que pode não aparecer na forma de manifestos, mas em atitudes revolucionárias que a tornam responsável por si mesma dentro de um contexto de dominação.
A mulher que usa seu corpo como bem entende - mas não sabe expressar isso teoricamente - ainda é vista como a que "se desvaloriza". O conhecimento e a escolarização dá respaldo e o direito de chamar de liberdade na classe média o que ela mesma chama de pura e simples "safadeza", e "falta de vergonha"  nas classes pobres.

Por um mundo em que
 a "liberdade" de uma
 não seja
 a "falta de vergonha" da outra
.
Fingir que não existem abismos entre nós, mulheres, que marcharemos amanhã é enfraquecer nossa própria luta. Marchamos por direitos iguais perante os homens, sem esquecer que as primeiras a ouvir nossos gritos somos nós mesmas, sem esconder que entre nós há oprimidas e opressoras, e assumindo o compromisso de lutar não contra o opressor, mas contra a opressão, venha ela de que lado vier. Essa vadias são mulheres, que unidas lutam para ser livres, mas que sabem, cada uma, que têm sim,  sua própria uma cor, sua própria etnia, sua própria história.




Fortalecemos a luta umas das outras ao tolerarmos nossas diferenças para conquistarmos um direito maior, o direito de não aceitarmos qualquer forma de violência, seja ela moral, psicológica ou física, provocada unicamente pelo fato de sermos mulheres - de sermos vadias. 


À marcha!

0 comentários:

Postar um comentário

  © Blogger template Simple n' Sweet by Ourblogtemplates.com 2009

Back to TOP