sobre nada: sobre mim

>> segunda-feira, 21 de maio de 2012

Espécie de continuação desse e desse e de todos os posts que falam do meu assunto preferido: eu! #narcisofeelings

Há algum tempo não publico aqui nada muito pessoal. Escrever aqui significa me expor quase sem reservas - muitos dos que leram meia dúzia de posts daqui sabem mais sobre mim do que pessoas que convivem comigo diariamente. 

Não só pelo que eu escrevo, mas também pelo que silencio. Acho que não escrevi aqui antes porque sabia que isso seria baixar a guarda, me oferecer como um livro que cai de repente, só pra que a gente apanhe-o do chão, folhei-o, e então se deixe invadir pelas lembranças que ele evoca.

Pois bem, eis-me aqui caída de uma estante qualquer da memória, de repente. Penso sobre os perigos de continuar escrevendo. Penso em quantas vezes essa escrita, íntima e pensada como uma aliada, me traiu, revelou sobre mim mais do que eu queria, até negou e contradisse a si mesma. Tudo culpa dos meus bons leitores, que leêm mais do que eu escrevo, que leêm principalmente o que eu não escrevo.

Leêm, por exemplo, que passados alguns meses desde que eu fiquei solteira, nem uma linha foi escrita aqui sobre o assunto. Sabem que esse silêncio me expõe ainda mais: a ferida ainda está aí. Talvez tenham lido no texto não escrito que a dor não tenha passado ainda por aquele momento de elaboração em que ela se transforma em arte, criação, discurso; que ela ainda é experiência, e não narrativa.

Talvez estejam certos.

Nesse ensaio sobre nada, e sobre mim, penso em como a leitura é fundamental na minha vida. Aprendi com os livros a ler as pessoas, e todo o resto que há para se saber sobre mim é decorrência disso. Meu estudo, meus interesses, meus planos, tudo se refere a isso: ler, ler, ler. E, pela leitura, conhecer.

Uma vez alguém me disse que a minha vontade de fazer e realizar todo o tipo de coisas era baseada principalmente na satisfação de contar aquilo depois. Que eu vivia pela narrativa, e não pela experiência em si. 
Sempre achei isso ofensivo, mas, como muitas vezes, esse meu leitor estava certo. Vivo de discurso, e tudo na minha vida afirma isso. A minha lupa para enxergar o mundo é o discurso. Acredito no poder da palavra, não como entidade mística com propriedades evocatórias, mas como construção real e concreta, na qual vivo e luto. 
Entendo - e a minha pesquisa no mestrado é ao mesmo tempo causa e consequência disso - que viver e narrar são sinônimos e, por isso, silenciar é uma forma de morrer em vida, e continuar falando de alguma forma depois da morte é uma forma de vida eterna.  

Sinto que as minhas experiências são muito mais minhas quando as reorganizo com o meu discurso, quando as elaboro com a minha memória. 
Assim, roubo também as experiências alheias, que passam a ser minhas quando faço com elas esse mesmo processo de reelaboração.

Às vezes esqueço, porém, que não posso fazer isso sozinha. Preciso de público, preciso de plateia, preciso do meu próprio leitor, esse espelho distorcido no qual me re-encontro, no qual eu me torno outra para mim mesma - e assim me conheço melhor.

Por alguns anos, tive um leitor que aprendeu a me ler como poucos. Um espelho no qual minha imagem refletia de maneira difusa - consequências do formato único e irregular de cada espelho -, mas no qual eu me reconhecia. Hoje o olhar desse leitor atento, completo, crítico, está voltado para outras publicações.
E de repente o livro que sou eu sentiu-se inseguro para ser lido por outras pessoas - pelo grande público - sem passar antes pelo crivo desse leitor ao mesmo tempo sensível e exigente. Fechou-se. Superficializou-se, deixando disponível para novos leitores só sua capa, e no máximo uma orelha (hehehe, até onde vou levar essa metáfora?).


Mas livro fechado não tem voz. É um produto na vitrine, um símbolo na estante. E minha vida é discurso! Preciso falar, preciso trocar, preciso ler e ser lida - ser também um espelho (distorcido pelas minhas próprias experiências) do mundo.
Novos leitores mostraram-se interessados e interessantes. Talvez nenhum tenha a argúcia, a experiência e a habilidade do leitor ideal. Mas estão dispostos a perguntar, trocar, analisar, a me conhecer, a me descobrir. 

(Lendo de novo esse texto até aqui percebi que do meio pro final ele não faz o menor sentido, ou é extremamente revelador, dependendo do tipo de leitor que você é. Gostei disso!)

Quero continuar contando e narrando minhas experiências, reelaboradas pela minha memória, que acontecem de novo pelo meu discurso. Ao mesmo tempo quero aprender a conviver com as experiências que ainda não passaram, com as saudades pungentes e pulsantes que não deixam com que eu conclua de vez alguns capítulos dessa edição. Mas, como boa letrista literata, sei que há capítulos que ficam na cabeça do escritor se desfazendo e se refazendo até depois da conclusão do livro todo. 

Na minha história, um capítulo em especial só tem uma frase concluída até agora, que é a última:
"E foram felizes"
Tudo o que vem antes dela ainda está sendo escrito.

1 comentários:

Jairfran 21 de maio de 2012 às 14:05  

A parte que "não faz o menor sentido" é a parte mais significativa.

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