avulsas #5

>> domingo, 1 de julho de 2012

Da terceira parte de O tempo e o vento, O arquipélago, vol. 1 (Verissimo, 2005, p. 264)


- Estive pensando... - continuou Floriano - Nenhum homem é uma ilha... O diabo é que cada um de nós é mesmo uma ilha, e nessa solidão, nessa separação, na dificuldade de comunicação e verdadeira comunhão com os outros, reside quase toda a angústia de existir. [...]
E a comunicação entre as ilhas é das mais precárias, por mais que as aparências sugiram o contrário. São pontes que o vento leva, às vezes apenas sinais semafóricos, mensagens truncadas  escritas num código cuja chave ninguém possui. [...] Tenho a impressão de que as ilhas do arquipélago humano sentem dum modo ou de outro a nostalgia do Continente, ao qual anseiam por se unirem. Muitos pensam resolver o problema aderindo a um grupo social, refugiando-se e dissolvendo-se nele, mesmo com o sacrifício da própria personalidade. E se o grupo tem o caráter agressivo e imperialista, lá estão suas ilhas a se prepararem, a se armarem para a guerra, a fim de conquistarem outros arquipélagos. Porque dominar e destruir também é uma maneira de integração, de comunhão, pois não é esse o espírito da antropofagia ritual? [...]
O que importa para cada ilha é vencer a solidão, o estado de alienação, o tédio ou o medo que o isolamento lhe provoca [...] 
Estou chegando à conclusão de que um dos principais objetivos do romancista é o de criar, na medida de suas possibilidades,  meios de comunicação entre as ilhas de seu arquipélago... construir pontes... inventar uma linguagem, tudo isto sem esquecer que é um artista, e não um propagandista político, um profeta religioso ou um mero amanuense...

Da terceira parte de O tempo e o vento, O arquipélago, vol. 2 (Verissimo, 2005, p.114)

- Sim, concluí eu, ao cabo de sérias leituras e cogitações: posso ser um porcaria e a Big Cadela me espreita, pronta a saltar sobre mim a qualquer instante... Mas acontece (e é isto que deixa os psicólogos loucos da vida) que há um abismo entre as coisas que são abstratamente verdadeiras e as coisas que são existencialmente reais. Ora, acontece que, queira ou não queira, eu existo nesta hora e neste lugar. Que fazer então com a minha vida? Por que não opor à minha insignificância na ordem universal, à minha mortalidade, à minha impotência diante do Desconhecido uma espécie de... de atitude arrogante... erguer meu penacho, lançar um desafio meio desesperado a isso que convencionamos chamar Destino? A vida não tem sentido... mas vamos fazer de conta que tem. E daí? Bom, aí eu transformo minha necessidade em fonte de liberação e passo a ser, eu mesmo, a minha existência, a minha verdade e a minha liberdade.
Floriano encara o amigo.
- Mas essa ideia de que somos livres e os únicos responsáveis por nossa vida e destino não será uma fonte permanente de angústia?
- Claro que é.
- E não é a angústia o nosso grande problema?
- Homem, há um tipo de angústia do qual jamais nos livraremos, porque ele é inerente à nossa existência. É o preço que pagamos por nos darmos o luxo caríssimo de termos uma consciência, por sabermos que vamos morrer, e por termos um futuro. Assim sendo, o mais sábio é a gente habituar-se a uma coexistência pacífica com esse tipo de ansiedade existencial, fazendo o possível para que ele não tome nunca um caráter neurótico. [...]
- E tu achas que essa atitude é uma solução?
- Que solução? Não há solução. Como disse um desses berda-merdas europeus, estamos condenados a ser heróis.

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